Fernão Mendes Pinto [1510 (?) – 1583]
Nasceu em Montemor-o-Velho, por volta de 1510. Os primeiros anos de vida de Fernão Mendes Pinto foram passados ali, isto segundo o testemunho do próprio autor: «…passei a vida até idade de dez ou doze anos na miséria e estreiteza da pobre casa de meu pai, na vila de Montemor – o – Velho…». Ainda muito novo, um tio levou-o para Lisboa e colocou-o ao serviço na casa do duque D. Jorge, filho natural do rei D. João II. Ali trabalhou durante cinco anos, dois dos quais como moço de câmara do próprio duque, o que lhe possibilitou preservar o elevado estatuto social da sua família, contrariando a precária situação económica que atravessava. Por razões pouco claras nas fontes, fugiu numa embarcação com destino a Setúbal, em 1523. Durante a viagem, foram abordados por piratas, que os roubaram e largaram numa praia alentejana. Em Setúbal esteve ao serviço do fidalgo Francisco de Faria.
Em 1537, aos 27 anos, embarcou para a Índia, em busca de fortuna. O que se “sabe” da sua longa estada no Oriente foi-nos transmitido pelo próprio e é quase impossível confirmá-lo junto de outras fontes. Ao longo de vinte anos percorreu as rotas frequentadas pelos portugueses no mundo, embarcou numa expedição ao mar Vermelho e participou num combate naval com os otomanos. Foi feito prisioneiro, vendido a um grego e, por este, a um judeu que o levou para Ormuz. Só aí foi resgatado pelos seus companheiros. Depois, acompanhou Pedro de Faria até Malaca, local onde iniciou as suas maiores aventuras. Foram 21 anos de imprevistos, sustos e ameaças – e muitas descobertas únicas. Viajou pelas costas da Birmânia, Sião, arquipélago de Sunda, Molucas, China e Japão. Descobriu um novo mundo. Foi criado, comerciante, soldado e até corsário. Segundo as suas próprias palavras foi «treze vezes cativo e dezassete vendido».
Em 1539 encontra-se ao serviço do capitão de Malaca, em nome do qual estabeleceu contactos diplomáticos com um potentado da região. Poucos anos depois (1542) fez a primeira viagem ao Japão, acompanhado por outros portugueses. Em 1553, encontrou-se com S. Francisco Xavier no Japão e, inspirado pela sua força e personalidade, decide entrar para a Companhia de Jesus e promover uma missão jesuítica nesse local. O Japão foi, sem dúvida, um dos países mais marcados pela presença de Fernão Mendes Pinto. A entrada na Companhia de Jesus alterou-lhe a personalidade. Libertou todos os seus escravos, entregou a sua fortuna aos pobres e à própria ordem religiosa, em Goa.
Contudo, a sua missão como “irmão leigo” dura apenas até 1557, ano em que decide pôr ponto final nessa aventura. A decisão advém da viagem que faz, novamente ao Japão, em 1554, como noviço da Companhia de Jesus e Embaixador do vice-rei D. Afonso de Noronha, junto do rei de Bungo. O desencanto foi total, quer com o comportamento do seu companheiro quer com a própria Companhia, que abandona em 1557. De volta a Portugal e com a ajuda do ex-governador da Índia, Francisco Barreto, Fernão Mendes Pinto compila documentos que comprovam os sacrifícios que realizou pela pátria, tendo direito a uma pensão, que nunca chega a receber…
Em 1558, estabeleceu-se numa quinta que adquiriu no Vale do Rosal, em Almada, onde escreveu, entre 1570 e 1578, a sua inigualável Peregrinação. No entanto, a sua obra só será publicada depois da sua morte, em 1614. A Peregrinação é um fantástico livro de viagens que relata, ao pormenor, todas as façanhas, aventuras e desventuras de Fernão Mendes Pinto. O seu conteúdo é exótico e raro. Descreve detalhadamente a geografia de destinos longínquos e desconhecidos para a época, como Índia, China, Birmânia, Sião e Japão. Mostra os costumes, credos e tradições destas culturas orientais. O autor é tão descritivo e aventuroso que fez nascer um rol de ironias à volta da obra. Ninguém acreditava ser possível assistir a tantas festas, guerras e funerais, tudo tão diferente e estranho ao mundo ocidental. Tão pouco foi levado a sério pelos seus contemporâneos, muitos deixaram de chamá-lo pelo nome. Tratavam-no por “Fernão, Mentes? Minto!”. Ainda hoje é assim conhecido.
Segundo a opinião de vários historiadores, a versão impressa não corresponde inteiramente à redação do autor. Algumas passagens terão sido subtraídas e outras corrigidas. Estranha-se, sobretudo, a total ausência de referências à Companhia de Jesus, tanto mais que ela era, na altura, uma das ordens religiosas mais ativas no Oriente; além do mais, há indicações fidedignas das relações entre Fernão Mendes Pinto e a Companhia. O livro foi escrito de memória, por isso em muitos aspectos, não é uma fonte fidedigna de informação. No entanto, documenta de forma extremamente viva e realista o impacto das civilizações orientais sobre os europeus recém-chegados e, sobretudo, constitui uma análise extremamente realista da acção dos portugueses no Oriente. Peregrinação trata-se de um testemunho presencial relativo aos comportamentos, atitudes, modos de vida desses povos, e por isso de um valor documental inestimável. Fernão Mendes Pinto faleceu a 8 de Julho de 1583, na sua quinta do Pragal.
S. Francisco Xavier (1506-1552)
Nasce no castelo de Xavier, Reino de Navarra.
1525-1539 – Em Paris, segue a carreira das Letras. Interno no Colégio Português de Santa Bárbara (dirigido por Diogo de Gouveia), frequenta o curso de Filosofia, graduando-se em bacharel, licenciado (1530) e depois mestre, fazendo, em simultâneo, Humanidades no Colégio de Montaigu. No Colégio de Santa Bárbara tem como companheiro Inácio de Loyola.
1534 – Xavier, Loyola, Le Fèvre, Salmerón, Afonso de Bobadilha, Laínez e Simão Rodrigues reúnem-se em Montmartre, fazendo votos de viajar até à Terra Santa.
1537 – É ordenado presbítero em Veneza.
1538 – Chega a Roma com Afonso de Bobadilha, juntando-se a Inácio de Loyola e outros companheiros de Paris.
1539-09.03 – O Papa Paulo III aprova a Companhia de Jesus.
1540 – Chega a Lisboa em cumprimento de um pedido do rei português D. João III, que solicitara ao Papa autorização para enviar um grupo de jesuítas para missionar no Oriente.
1541 – É enviado para a Índia, credenciado pelo papa Paulo III, que o nomeia seu legado ou núncio apostólico, ficando Simão Rodrigues em Portugal para ali estabelecer a Companhia de Jesus.
1546 – Parte em missionação para as Molucas, Ternate, Ilha de Moro e Malaca.
1547-49 -Regressa à Índia. A Companhia de Jesus estabelece-se em Goa, Pescaria, Travancor, Molucas, Malaca, S.Tomé-de-Meliapor, Coulão, Baçaim, Ormuz.
1549 – Parte para o Japão.
1551 – Assumindo hábitos e trajes japoneses, consegue que o senhor de Yamaguchi, Ouchi Yoshitaka, o autorize a evangelizar. Instala as cristandades de Kagoshima, Yamaguchi e Bungo (actual Oita), que deixa ao cuidado de outros companheiros enquanto regressa à Índia.
1552 – Manifesta intenção de partir a evangelizar a China, mas ao chegar à ilha de Sanchoão adoece e acaba por morrer em Dezembro.
Bibliografia a consultar:
“Zabieru no Mita Nippon” Peter Milward, Kodansha
“Kirishitan no seiki –Zabieru tonichi kara sakoku made” Koichiro Takase, Iwanami shoten
“Sei Francisco de Zabieru sho kansho” Iwanami shoten
“Zabieru to sono deshi” Kata Otohiko, Kodansha
“Zabieru wo tsuretekita otoko” Michio Umekita, Shinchosha
“Zabieru no nazo” Kaoru Furukawa, Bungeishunju
“Harukanaru Zabieru” Toshiki Yamamoto, Bungeisha
“Zabieru” Satoru Ohara, Shimizu shoin
“Zabieru no umi – Portugal ‘Umino Teikoku’ to Nippon” Masakatsu Miyazaki, Hara shobo
“Tanegashima no teppo to Zabieru” Yuumi Ishihara, PHP Kenkyujo
“Sei Furansisko Zabieru zenshokan” Yoshinori Kono, Heibonsha
“Sei Furansisuko Zabieru zen shogai” Yoshinori Kono, Heibonsha
“Furansisuko Zabieru” Masakazu Asami, Yamakawa Shuppansha
“Zabieru to Nippon” Hisahi Kishino, Yoshikawa Kobunkan
“Zabieru to Yajirou no tabi” Hirondo Ozumi, Ashi shobo
“Zabieru kara hajimatta Nippon no kyokai no rekishi” Diego Yuki, Joshi Paulo kai
“Senkyoshi Zabieru no yume” Yoshinobu Shiraishi, Kogensha
“Ikita, Aishita – Furansisuko Zabieru no boken” Seiichi Yashiro, Kadokawa Haruki Jimusho
“Nippon wo kaeta! Tanegashima no teppo to Zabieru no jujika” Yuumi Ishihara, Seihodo
“Zabieru no mita Oita” Tomohiro Kato, Ashi shobo
Luís de Almeida (1525 – 1583)
Nasceu em Lisboa em 1525. Depois de obter o título de médico em 1546, embarcou rumo à Índia (1548). Embora conseguindo fortuna ainda novo como comerciante em Goa, decidiu deslocar-se ao Japão. No verão de 1555 aportou em Hirado, noroeste de Kyushu, e nesse outono entrou para a Companhia de Jesus. De Hirado chegou a Bungo (hoje província de Oita, noroeste de Kyushu) e estabeleceu-se na cidade de Funai, capital de Bungo. Luís de Almeida propôs ao dáimio Otomo Sorin (D.Francisco de Bungo, um dos primeiros dáimios a cristianizar-se) a construção de um hospital com dois departamentos, um para os feridos e outro para os leprosos e doentes contagiosos. O hospital foi construído com o apoio do dáimio e a fortuna do próprio Luís de Almeida, em 1577.
Pela rapidez, eficácia e qualidades humanas do missionário, a sua fama estendeu-se a várias partes do império nipónico, inclusive até à capital, Quioto, e espalhou-se por toda a região de Tohoku. Lamentando a existência de crianças abandonadas pelos seus pais, resultado da extrema pobreza, Almeida construiu também um orfanato.
De regresso ao Japão da viagem a Macau, já sacerdote, continuou dedicado no seu apostolado missionário. Faleceu em outubro de 1583, em Kawachinoura (cidade de Amakusa, província de Kumamoto, sudoeste da ilha de Kyushu, sul do Japão), como superior do distrito de Amakusa.
Bibliografia a consultar:
Diego R. Yuuki, S.J. LUÍS DE ALMEIDA- MÉDICO, CAMINHANTE, APÓSTOLO, 1989, Instituto Cultural de Macau
Toshio Shigashino, 「南蛮医アルメイダ」(Almeida, médico português), 1993, Kashiwa shobo
Luís Fróis (1532 – 1597)
Luís Fróis, «ele escreveu a História do encontro entre Portugal e o Japão»
Nasceu em Lisboa, em 1532, no seio de uma família ligada à corte do Rei D. João III. Aos 16 anos, e depois de concluir os seus estudos na área de Humanidades, efetua uma breve passagem pela corte , em 1548, para depois ingressar na Companhia de Jesus. Após dois meses de noviciado, embarca em Lisboa a 17 de março do mesmo ano, numa viagem para a Índia, sem nunca mais voltar ao seu país natal.
Chega à cidade de Goa a 9 de outubro de 1548. Entre 1548 a 1561, inicia os seus estudos no Colégio de São Paulo. Já nessa altura se distingue pela forma como descreve pormenorizadamente as atividades dos missionários em Goa e Malaca. Foi ordenado padre em 1561. É também em Goa que viria a ter diversos encontros com Francisco Xavier — o último dos quais em 1554—, que iriam marcar profundamente toda a sua vida. Parte para Macau em 1562 e dali inicia a sua viagem para o Japão como missionário da Companhia de Jesus.
Chega a Yokoseura, localizada na atual Província de Nagasaki, a 6 de Junho de 1563, no período de apogeu da missão jesuíta no Japão e um mês após o batismo do primeiro dáimio japonês, (Bartolomeu) Omura Sumitada. Ali começa a escrever uma longa série de cartas e variadíssimas relações e tratados, nos quais descreve em detalhe as atividades dos padres e da Missão.
O valor histórico destas cartas é inestimável e são os documentos que encerram mais detalhes sobre a vida quotidiana dos missionários no Japão. A análise de alguns desses textos permitirá reconstituir as principais atitudes que o jesuíta tomou face à cultura japonesa, clarificando, de passagem, aspetos do diálogo civilizacional que portugueses e asiáticos travaram na segunda metade do séc. XVI. Luís Fróis assistiu à destruição de Yokoseura, e refugiou-se mais tarde na ilha de Takushima, no pequeno arquipélago de Hirado, onde inicia os seus estudos de língua japonesa, que lhe permitiram mais tarde estabelecer contactos importantes junto de personalidades influentes, nomeadamente em Kyoto, (à época, a nova capital do Japão), onde desembarca em 1565.
Após a sua chegada a Kyoto, conheceu o shogun Ashikaga Yoshiteru, e privou mais tarde com Oda Nobunaga, (o shogun que iniciou o processo de centralização e unificação do poder no Japão e pôs fim a um longo período de guerra civil) tendo inclusivamente em 1569 permanecido por um breve período de tempo na residência privada de Nobunaga, em Gifu, enquanto escrevia os seus livros.
Em 1577, passa pelo reino de Bungo, (atual província de Oita). Durante esse período, o dáimio local, Otomosorin, converteu-se e é batizado com o nome Francisco de Bungo. Mais tarde, em 1581, Fróis é novamente chamado a Nagasaki, como secretário do Vice-Provincial, o Padre Gaspar Coelho.
Nessa altura, e a pedido de Alexandre Valignano, iniciou a sua Historia de Japam, que ainda hoje é uma importante fonte para os estudiosos da História do Japão e da missão jesuíta entre 1549 e 1593.
Luís Fróis acompanha o Padre Gaspar Coelho como intérprete na importante visita efetuada ao novo líder do Japão (1586), o shogun Toyotomi Hideyoshi, que precede a emissão do decreto de expulsão de todos os missionários no Japão, editado no ano de 1587. Hideyoshi considerava a missão evangelizadora do missionários jesuítas um entrave à reunificação política do país.
Após a expulsão dos religiosos por parte das autoridades japonesas, Luís Froís continua a desenvolver o seu trabalho como missionário na clandestinidade e consagra a maior parte do seu tempo à redação do manuscrito da sua História do Japão.
Em 1592, e a pedido do Padre Alexandre Valignano, viaja como seu secretário para Macau, onde termina o relato da organização da viagem de uma embaixada japonesa a Roma: iniciada em 1582 e composta por 4 jovens samurais, que chegam a Lisboa em 1584, e depois partem para Roma, onde são recebidos por Gregório XIII. Esta embaixada deixou a Europa em Abril de 1586 e chegou ao porto de Nagasaki, em 1590. Nessa altura dá por concluída a sua História do Japão, episódio documentado numa carta enviada ao Padre Acquaviva. Mas o seu estilo de escrita não agrada a Valignano, o qual critica severamente muitos dos aspetos de uma obra que é considerada atualmente como referência indispensável a todos os que estudam a História do Japão.
Todo o trabalho que desenvolveu teve como base a sua experiência pessoal. É um testemunho direto e, de certa forma, autobiográfico desse momento histórico do Japão e da presença missionária da Companhia de Jesus.
O seu estado de saúde fragiliza-se. Luís Fróis receia que o seu manuscrito se perca em Macau e, para que a sua História do Japão fosse salva, decide fazer o sacrifício e volta doente e exausto a Nagasaki, no ano de 1595. Na última fase da sua vida deixa-nos os escritos daquela que é talvez a sua melhor obra, O Relato da Morte dos 26 Mártires de Nagasaki, de 15 de março de 1597. O texto foi enviado passando pelas Filipinas, escapando assim à censura do padre Valignano, mas assim que este tomou conhecimento da ação, solicitou a Roma o arquivo do referido documento, que apenas será publicado em 1935.
Já na última etapa da sua vida, e com 62 anos, Fróis escreve talvez uma das suas melhores obras: a Relação da morte dos 26 Mártires de Nagasaki (a 15 de março de 1597), onde mais uma vez demonstra o seu profundo conhecimento da cultura japonesa. Este texto serviu para esclarecer certos aspetos discutidos entre os historiadores japoneses em torno da identificação do local exato do martírio, e foi só no ano de 1956 que o local, a colina de Nishizaka, foi declarado histórico na cidade de Nagasaki e erigido um monumento representando os 26 mártires na ordem que Froís descreveu.
Terminada a obra, o estado de saúde de Luís Fróis agravara-se. Morre no Colégio de São Paulo em Nagasaki, a 8 de julho de 1597. Em 1997, celebrou-se em Portugal e no Japão o 400º aniversário da morte de Luís Fróis, com várias atividades comemorativas, entre as quais se destacam a cunhagem de moedas e a publicação de selos.
Luís Frois foi figura primordial na primeira evangelização do Japão e um nome inegavelmente ligado à vida cultural e religiosa de Nagasaki. Pode ler-se gravado no monumento a ele erigido no Parque dos Mártires uma frase que resume a sua vida: «Ele escreveu a História do encontro entre Portugal e o Japão».
João Rodrigues [1560(?) – 1633]
Nasceu em Sernancelhe, em 1560 ou 1561. Com apenas 14 anos saiu de Portugal em direção à Índia. Em 1577 chegou ao Japão como membro da Companhia de Jesus. Em 1580 inicia o seu noviciado em Usuki e no ano seguinte inicia-se no estudo de Humanidades, Filosofia e Teologia em Funai (Oita). Em Nagasaki, ao serviço da Companhia, dedicou-se ao ensino da gramática e do latim, vindo a concluir os estudos em Teologia. Foi a Macau para ser ordenado sacerdote e, de regresso ao Japão, tornou-se intérprete de Oda Nobunaga e Toyotomi Hideyoshi, recebendo assim o epíteto de “Tçuzu” (o Intérprete) — como aliás é conhecido entre os historiadores e conhecedores da sua obra. Tornou-se um hábil diplomata e político. Em 1619, após o Édito de Expulsão dos religiosos por parte das autoridades japonesas, partiu para Macau, onde iniciou uma série de investigações com o propósito de conhecer as origens das comunidades cristãs ali estabelecidas desde o século XIII. Apontado como um vulto da cultura universal, faleceu em Macau em 1633.
Para além de intérprete, foi um dos autores e coordenador do Vocabulário da Lingoa de Japan, editado em 1603, primeiro dicionário de japonês-português; da Arte da Língua de Japam (1608); Arte Breve da Língua de Japam (1620) e autor de A História da Igreja de Japam.
Foto: Sernancelhe, vila da região norte onde nasceu João Rodrigues
ARTE BREVE
A gramática japonesa intitulada Arte Breve da Lingoa Iapoa, publicada pelo padre João Rodrigues – Tçuzu – no ano de 1620, em Macau, é composta de três livros, o último dos quais versa sobre nomes japoneses e modos de tratar algumas pessoas, especialmente pessoas de prestígio e com um estatuto social elevado. O conteúdo deste livro é inteiramente percetível, embora possa parecer estranho para quem tem a ideia que a Arte Breve é uma mera “gramática”. Desde tempos remotos que os japoneses consideram uma extrema descortesia tratar abertamente as outras pessoas pelo seu “Iitmio” ou“Nanori”, isto é, pelo seu nome verdadeiro. A situação é tanto mais grave se o“ Iitmio” ou “Nanori” é utilizado para chamar pessoas de elevada importância e prestígio. Este costume, de evitar utilizar “Iitmio” ou “Nanori”, encontra-se profundamente enraizado e tem por base um pensamento de natureza fetichista. Esta crença afirma que o nome verdadeiro, quando descoberto, leva a que o espírito (“Tama”) com um poder misterioso escondido em qualquer nome, comece a exercer uma influência nefasta sobre a pessoa nomeada.
Rodrigues, para além de ser um missionário e um intérprete (Tçuzu), desempenhou o importante cargo de Procurador da Missão, cuja função principal é conciliar os interesses de importantes figuras da sociedade japonesa e de mercadores portugueses em Nagasaki, no contexto do trato luso – japonês. Rodrigues, baseando-se na compreensão do referido modo de pensar, consegue perceber perfeitamente a obrigatoriedade de chamar as outras pessoas pelos seus nomes substitutos, como modo incontornável de estabelecer uma relação amistosa com elementos importantes da sociedade nipónica. Mesmo que Rodrigues não dê realce na sua obra, de uma forma clara, à tal obrigatoriedade de tratamento, o fato de ter tido uma absoluta consciência do dever de respeitar a obrigação de “tratar outrem de maneira correta e cortesã” é, segundo creio, evidenciado pela extensa lista por ele elaborada de vários nomes de dignidade, tais como “Iurio”, “Fiacquan”, “Curai”, etc.
Texto retirado de Hino Hiroshi – Respectful avoidance of “Iitmio” ou “Nanori” and father João Rodrigues Tçuzu’s Arte Breve. Pp. 9-45.
Bulletin of Portuguese-JapaneseStudies, ed. João Paulo Oliveira e Costa, vol. 6, Jun. 2003.
Wenceslau de Moraes (1854 – 1929)
Wenceslau José de Sousa de Moraes nasceu em Lisboa, a 30 de maio de 1854. Era filho de Wenceslau de Moraes e de Maria Amélia Figueiredo Moraes. Oficial da Marinha, completou o curso da Escola Naval em 1875, tendo prestado serviço em Moçambique, Macau, Timor e Japão.
Após ter frequentado a Escola Naval, serviu a bordo de diversos navios da Marinha de Guerra Portuguesa. Em 1885, viaja pela primeira vez até Macau, onde se estabelece. Foi Imediato da Capitania do Porto de Macau e professor no liceu da mesma cidade, desde a sua fundação, em 1894. Durante a sua estada em Macau casou com Vong-Io-Chan (Atchan), mulher chinesa de quem teve dois filhos, e estabeleceu laços de amizade com Camilo Pessanha.
Em 1889 viaja até ao Japão, país que o encanta e onde regressa várias vezes nos anos que se seguem no exercício das suas funções. Em 1897 visita o Japão na companhia do Governador de Macau, sendo recebido pelo Imperador Meiji. No ano seguinte, deixa Atchan e os seus dois filhos em Macau e muda-se definitivamente para o Japão, como Cônsul em Kobe.
No Japão, a sua vida é marcada pela atividade literária e pelo relacionamento com duas japonesas: Ó-Yoné Fukumoto e Ko-Haru.
Durante os trinta anos que se seguiram, Wenceslau de Moraes tornou-se a grande fonte de informação portuguesa sobre o Oriente, partilhando com os leitores portugueses experiências íntimas do quotidiano japonês.
Em 1913, amargurado com a morte por doença de Ó-Yoné, Wenceslau de Moraes renunciou ao seu cargo consular, mudando-se para Tokushima, terra natal daquela. Aí viveu com Ko-Haru, sobrinha de Ó-Yoné, que viria também a falecer por doença.
Em Tokushima, o seu quotidiano tornou-se idêntico ao dos japoneses. Cada vez mais solitário, e com a saúde minada, Wenceslau de Moraes viria a falecer em Tokushima, a 1 de julho de 1929, aos 75 anos de idade.
Wenceslau de Moraes foi autor de vários livros sobre assuntos ligados ao Oriente, em especial ao Japão:
1895 – Traços do Extremo Oriente
1897 – Dai Nippon
1904 – Cartas do Japão
1905 – O Culto do Chá
1906 – Paisagens da China e do Japão
1907 – A Vida Japonesa
1916 – O Bon Odori em Tokushima
1917 – Ko-Haru
1919 – O Tiro do Meio Dia
1923 – O-Yone e Ko-Haru
1924 – Relance da História do Japão
1926 – Serões no Japão
1928 – Relance da Alma Japoneza
Armando Martins Janeira (1914 – 1988)
Virgílio Armando Martins Janeira nasceu em Felgueiras, no Concelho de Torre de Moncorvo, em Trás-os-Montes, a 1 de setembro de 1914. Filho de José Júlio Martins e Elvira Janeiro, licenciou-se em Direito na Universidade de Lisboa com 22 anos. Lecionou no Colégio Campos Monteiro, de Torre de Moncorvo.
Em 1939 ingressa na carreira diplomática, tendo representado Portugal em vários países. Inicia a sua carreira como cônsul, de 1943 a 1949, em Léopoldville, no antigo Congo Belga; em Liverpool, Reino Unido e em Sydney, na Austrália, sendo depois nomeado embaixador de Portugal nas grandes capitais europeias e asiáticas, de 1952 a 1979.
No Japão, Armando Martins Janeira exerce funções diplomáticas em dois períodos: como Primeiro Secretário de Legação em Tóquio, de 1952 a 1955, e como Embaixador de Portugal em Tóquio, de 1964 a 1971. Toma parte em congressos de orientalistas em Quioto, Oxford, Paris, Milão, Florença e Nice. Faz conferências nas universidades de Oxford, Cambridge, Londres, Viena, Tóquio, Quioto, Pequim, Nanquim, Nova Deli, Singapura, Vietiname, Catmandu, Coimbra, Évora e Lisboa. Publica as suas primeiras obras sob o pseudónimo Mar Talegre. Em 1949, passa a assinar os seus trabalhos com o seu nome, Armando Martins, ao qual decide acrescentar o nome de sua mãe, em 1955. O apelido Janeiro será mais tarde alterado pelos japoneses para Janeira, forma que o autor decide adotar definitivamente. Além das mais de vinte obras que publicou, escreveu inúmeros artigos para jornais e revistas.
Em 1980, após a sua aposentação do Ministério dos Negócios Estrangeiros, Janeira regressa às origens – volta a lecionar. Dá aulas de História Contemporânea das Civilizações Orientais, na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Funda o Instituto dos Estudos Orientais – atualmente integrado naquela universidade como Instituto Oriental – e a Associação de Amizade Portugal-Japão.
Vem a falecer no Estoril, a 19 de Julho de 1988.
(texto adaptado da página http://armandomartinsjaneira.net)
Principais Obras:
(Por ordem cronológica de publicação)
Mar Talegre (pseudónimo), Três Poetas Europeus (Camões, Bocage, Pessoa), Lisboa, 1947
Mar Talegre, Sentidos Fundamentais do Romance Português, Porto, 1948.
Mar Talegre, Esta Dor de Ser Homem, Porto, 1948. 2ª ed: Comissão de Festas de Felgueiras, Torre de Moncorvo, 2004
Armando Martins, O Teatro Moderno Porto, 1952
Armando Martins Janeiro, Nô, Teatro Lírico Japonês, Tóquio, 1954
Armando Martins Janeiro, Caminhos da Terra Florida, Porto, 1956
Armando Martins Janeiro, O Jardim do Encanto Perdido – Aventura Maravilhosa de Wenceslau de Moraes no Japão, Porto, 1956
Armando Martins Janeiro, Linda Inês – Tragédia, Lisboa, 1957 (nova versão publicada em 2005)
Armando Martins Janeiro, Peregrino, Lisboa, 1962
Armando Martins Janeiro, Um Intérprete Português do Japão – Wenceslau de Moraes, Macau, 1966
Armando Martins Janeiro, A Grande Feira do Mundo – Auto, Lisboa, 1967
Armando Martins Janeira, O Teatro de Gil Vicente e o Teatro Clássico Japonês, Lisboa, 1967
Armando Martins Janeira, The Epic and the Tragic Sense of Life in Japanese Literature, Tóquio, 1969
Armando Martins Janeira, Japanese and Western Literature, A Comparative Study, Tóquio, 1970
Armando Martins Janeira, O Impacto Português sobre a Civilização Japonesa, 1970. 2ª ed.:, 1988
Wenceslau de Moraes, Antologia, selecção de textos e introdução de Armando Martins Janeira, Lisboa, 1971. 2ª ed.: 1993
Armando Martins Janeira, Figuras de Silêncio – A Tradição Cultural Portuguesa no Japão de Hoje, Lisboa, 1981
Armando Martins Janeira, Japão, a Construção de Um País Moderno, Lisboa, 1985
Armando Martins Janeira, Linda Inês ou O Grande Desvairo, Lisboa, 2005